quarta-feira, 18 de junho de 2014

Enquanto não saem os novos capítulos de DARK PARADISE, releia os anteriores!
Muitas surpresas estão vindo por aí!


sábado, 14 de junho de 2014

DARK PARADISE - Capítulo 03

A luminescência fluorescente do local invadiu despudoradamente as retinas de Gustavo quando ele abriu os olhos desorientado. Levou alguns segundos até que se acostumasse com a claridade exacerbada. Desnorteado, apavorou-se a perceber que não sabia onde estava, estranhando as paredes alvas e as lâmpadas brancas acesas sobre ele. O coração disparou e ele tentou se mover, contudo, uma fisgada aguda retesou a sua nuca, doendo de forma pavorosa. Soltou um arquejo encolerizado, percebendo os músculos do corpo também doerem um pouco. Tencionou gritar, pedir socorro, afinal, não fazia ideia de que lugar era aquele, no entanto, um toque familiar pousou sobre o seu braço e ele virou o rosto para olhar quem o tocava.
Yury estava de pé ao seu lado, segurando o braço de Gustavo, os olhos vermelhos e a expressão preocupada no rosto. Quando o namorado abriu os olhos, assustado, as feições de Yury tornaram-se menos urgentes e ele conseguiu também sorrir um sorriso de alívio.
- Graças a Deus… - Yury suspirou profundamente. - Fiquei tão preocupado.
- O que aconteceu? - Gustavo sentiu dificuldade em empostar a voz que saiu quase como sussurro. A boca e a garganta secas o incomodaram e ele pigarreou. - Que lugar é esse?
- Eu trouxe você para uma clínica, meu amor - Yury respondeu, beijando o rosto de Gustavo. - Eu também não sei ao certo o que aconteceu. Você saiu da adega para fazer uma ligação, demorou para voltar e eu fui te procurar. Encontrei você apagado no salão principal do bar, com a cabeça sangrando. Fiquei desesperado. Coloquei você no carro e trouxe para esse clínica, a mais próxima que eu achei.
Gustavo passou a mão levemente na nuca e percebeu-a inchada. Aos poucos, com a narração de Yury, recobrou a memória. Tinha mesmo sido acertado, mas não sabia dizer por quem.
- Quanto tempo fiquei dormindo?
- Algumas coisas...os médicos já fizeram todos os exames e acham que não houve nenhum dano grave, somente as lesões por causa da pancada - Yury dizia rapidamente. - Chamei a polícia e comuniquei sobre o que aconteceu. Eles já estão à procura do responsável, mas o delegado acredita que tenha sido algum morador de rua que provavelmente ainda estava dentro do bar, morando por lá, afinal, o lugar estava abandonado há muito tempo.
- Levaram alguma coisa? - Gustavo empertigou-se no leito
- Levaram a sua carteira.
- Droga, maravilha! - ironizou Gustavo, sentindo a cabeça doer um pouco mais.
- A carteira pouco importa, meu amor - Yury apertou a mão do namorado entre as suas. - Você está bem, é o que vale.
- Você pode me trazer um copo com água, por favor? - Gustavo sentia um enjoo estranho e julgou ser por causa da pancada.
- Trago sim, meu amor. Vou aproveitar para acertar a conta com a clínica e volto logo, tudo bem? Qualquer coisa, é só apertar esse botão vermelho - Yury indicou o dispositivo piscando na lateral da cama de hospital. - Eu já volto.
Dizendo isso, beijou de leve os lábios de Gustavo e desapareceu pela porta. O quarto mergulhou em um silêncio gutural e inquietante. O rapaz ajeitou-se novamente no leito, buscando a posição mais confortável. O cheiro de éter do lugar parecia já ter se impregnado nas roupas e pele de Gustavo. A primeira coisa que eu vou fazer quando sair daqui é tomar um banho, pensou ele, trejeitando a boca em desaprovação. Estar ali o fazia se lembrar do acidente, e recordação deixava-o nervoso, prova de que ainda não havia superado o episódio passado.
Ao lado da cama, numa mesa lateral branca, o celular de Gustavo começou a tocar, vibrando sobre o tampo e emitindo um barulho metálico. O rapaz apanhou-o rapidamente e olhou o visor. A ligação estava sendo feita de um número não identificado. Receoso, Gustavo atendeu. A princípio, não houve som a não ser estática. Quando preparou-se para desligar, alguém principiou a falar do outro lado da linha.
- Desista da idéia de reabrir o bar, Gustavo - a voz não lhe era familiar, e podia jurar nunca tê-la ouvido antes. - O melhor para você é deixá-lo fechado. É assim que tem que ser. O que aconteceu hoje foi apenas um aviso. Caso você insista na idéia, eu posso ser mais convincente da próxima vez.
A ligação terminou no exato momento em que Yury voltou ao quarto, trazendo o copo com água. Instantaneamente, percebeu a expressão perturbada no rosto de Gustavo.
- O que houve? Está sentindo alguma coisa? - pousou o copo na mesa lateral para aferir a temperatura do namorado, mesmo sabendo que isso não serviria para nada, estava apenas preocupado.
- Não - Gustavo balbuciou, perdido em pensamentos. - Não foi nada.
Esforçando-se para manter a serenidade, a voz do homem ao telefone ainda ecoava como trovão na cabeça de Gustavo.


***


É aconselhável que ouça a canção sugerida
para melhor visualização da cena.


- Senhoras e senhores, esperamos que estejam acomodados e confortáveis, pois a noite está começando. Não sejam tímidos, abram os cintos e deixem suas carteiras sobre as mesas, de preferência - a voz masculina e levemente afetada vinda do sistema de som soltou um risinho. - E, para começar, recebam ela: a inigualável, Aretha Schinneder!
As luzes estroboscópicas do lugar apagaram-se completamente e todos os homens presentes explodiram em aplausos, assovios e gritos acalorados. Segundos depois, um único foco de luz branca apareceu no fundo do palco principal, revelando a silhueta bem desenhada e farta da mulher que vinha se aproximando em direção à frente do palco com passos pequenos, como uma tigresa, desfilando e mexendo-se sorrateiramente, analisando os homens desesperados por atenção que se acotovelavam para se avizinharem um pouco mais dela.
Então, surgiram mais luzes no palco, clareando completamente o corpo perfeito da jovem mulher que sabia muito bem o que estava fazendo e fazia com propriedade. Audaciosa, sexy e linda, os cabelos loiros caindo-lhe sobre as costas, apontando para o bunda redonda e ampla, olhava no fundo dos olhos do seu público e mordia os lábios, atiçando-os ainda mais. Trajava um short minúsculo vermelho coberto de lantejoulas que cintilavam sempre que ela se movia. Nos seios, apenas dois tapa-sexos irrisórios, deixando o busto cheio livre, movimentando-se junto com ela. Os finos saltos dourados completavam a indumentária.
Graciosamente, abaixou-se na borda lateral do palco e passou a mão entre as pernas de um homem que assistia atentamente à performance, puxou o cinto dele, girou no ar e, depois, acertou a perna do cliente de leve, com ares de fetiche. Ele gostou e sorriu, depositando uma quantia considerável de notas de cem reais dentro do pequeno short da mulher. Ela curvou-se, numa meia vênia mais sexy do que respeitável e, rapidamente, correu para o centro do palco, dependurando-se com habilidade no poste prateado de pole dance. Lesta, realizava os movimentos com destreza, encantando os clientes novos e aqueles que já tinham visto o show várias vezes.
Um dia, ela desejou ser uma estrela. Só não sabia se seu tão desejado estrelato aconteceria daquela forma.



- Aretha Schinneder?! - caçoou Gustavo assim que a mulher desceu do palco e foi em direção ao bar, servir-se de uma bebida.
- Está achando ruim? - ela sentou-se ao lado dela, o rosto uma mescla de seriedade e bom humor. - Faz melhor, meu querido - gargalhou sonoramente, bebericando o martíni.
- Faço melhor com certeza! - Gustavo também sorria. - Esse nome é o pior que você já criou em toda a sua carreira.
- Novidade, Gustavo. As pessoas gostam de novidade! Eu precisava mudar de nome para atrair público. Ninguém gosta do que está ultrapassado - os dois passaram alguns segundos se entreolhando para gargalharem novamente. - O que você está fazendo aqui?
- Ué, vim ver a sua performance artística e conceitual - ele abraçou-a.
- Bunda e peito, você quer dizer - a mulher tinha um cheiro adocicado inebriante.
- Basicamente isso - Gustavo também bebia martíni. - Paris Café, - falou, enquanto observava o ambiente em volta, com mulheres andando de lingerie por todos os lados - você já frequentou lugares melhores.
- Em Paris, meu amor! Isso aqui é Brasil. É o que tem pra hoje. Sem falar que o Paris Café é a melhor boate do gênero do Rio.
- Do gênero do swing, né? - Gustavo pontuou.
- Exatamente. Se você veio aqui pra me dizer o que eu já sei, que isso é prostituição, que eu tenho um futuro melhor e essas coisas, é melhor ir dando meia volta. Sei bem disso.
- Não. Não vim falar sobre isso - Gustavo fez uma pausa. - Na verdade, é sim, eu vim falar sobre isso mesmo. Mas não vim te recriminar nem nada do tipo. Vim fazer um convite…
- Fotos pelada de novo no Cristo? - a mulher recordou um episódio vivido pelos dois há muito tempo. - Tô fora.
- Não. É outra coisa...Recebi uma herança do tio Elísio e preciso que você me ajude a catalogar umas dezenas de garrafas de vinho que ele me deixou.
- Ah, meu Deus, seu tio morreu? - a mulher estava verdadeiramente abalada.
- É pré-requisito para se receber uma herança, alguém precisa morrer - Gustavo sorriu.
- Ai, Gu, eu não fiquei sabendo, meus pêsames - ela o abraçou novamente.
- Não tem problema, já passou. A verdade é que eu preciso mesmo de você, Lira. Prometo pagar melhor do que te pagam aqui e você não vai precisar ir para a cama com ninguém por isso.
- Não sei - Lira ponderou, girando a bebida dentro do seu copo. - A questão não é ter que ir pra cama. É que isso é a minha vida. É a única coisa que eu sei fazer, desde sempre.
- Você é muito mais que perna e bunda - Gustavo retrucou, de maneira firme, porém logo voltou ao tom doce e casual. - Eu te conheço melhor do que ninguém. Sei do que é capaz.
- Você tem dinheiro para contratar qualquer outra pessoa, Gustavo.
- Tenho mesmo, mas faço questão que seja você - ele se demorou alguns instantes segurando as mãos de Lira e olhando-a com candura nos olhos. - Eu poderia contratar qualquer outra pessoa, mas estou chamando uma amiga...a minha melhor amiga. Por favor, pelos velhos tempos…
- Velhos o cacete, que eu ainda tenho 32 - Lira queixou-se, gargalhando outra vez. Depois de pensar e ponderar silenciosamente, voltou a falar. - Tudo bem, eu te ajudo. Não se recusa pedidos assim de amigos.
- Melhores amigos - Gustavo repetiu.
- Ah, tá, já entendi, Gustavo, melhores amigos. Precisa repetir isso o tempo inteiro, coisa de gay.
Novamente, os dois explodiram em gargalhadas entusiasmadas.
- É bom estar com você de novo - Lira beijou o rosto de Gustavo.
- O que acha de um almoço, para acertarmos os detalhes? - propôs o rapaz.
- Só se você pagar - Lira riu.


***


Yury deslizou sobre o corpo esculturam e suado do rapaz, beijando-lhe o peito, a virilha e mordendo-lhe as coxas. Davi estremecia sob o toque de Yury, a boca cerrada libertando gemidos contidos e os olhos fechados. Sentia Yury passar a mão em cada parte do seu corpo, explorando-o. Os corpos dos dois misturavam-se vorazmente, enquanto trocavam carícias provocativas e mordiam-se nos lábios, em beijos longos e quentes. Davi virou-se de bruços e relaxou, sentindo o peso dos músculos de Yury sobre ele. A boca do rapaz percorria toda a região da sua bunda, e Davi estava a ponto de explodir quando Yury penetrou-o com força, os dentes dele cravados em suas costas, e os gemidos vibrantes ecoando pelas paredes do quarto de hotel.

- Já anotou na a agenda no nosso próximo encontro? - Davi ironizou, vestindo-se. Yury estava saindo do banheiro, enrolado num toalha depois do banho.
- Quando você quiser - respondeu Yury, pegando a camisa e vestindo-a. - Você sabe o meu número.
- Se as coisas fossem quando eu quisesse, você seria meu há muito tempo - Davi era um jovem rapaz de 26 anos, olhos castanho-claros, quase dourados, com riscos verdes na íris. Os cabelos cortados baixos e profundamente escuros viviam arrepiados, em desalinho. A boca era uma massa volumosa, macia e vermelha, como morangos apetitosos, perfeitamente posicionadas no rosto angelical e delicado, porém atento e sempre em alerta. Parecia conseguir ver tudo o que estava acontecendo no ambiente ao mesmo tempo, frontalmente e pela visão periférica.
- A gente nem sempre tem o que quer - Yury passou a língua provocativamente nos lábios carnudos de Davi.
- E isso não é muito justo - o rapaz respondeu.
- A vida não é justa, Davi, mas é gostosa de se viver.
- Por quanto tempo vamos continuar nos encontrando às escondidas?
- Por muito - disse Yury, vestindo agora as calças do paletó. - E por vários motivos.
- Por causa do Gustavo? - quis saber Davi, também vestindo-se.
- Não só por isso, mas por causa do meu pai, por causa da nossa relação de trabalho. Afinal, você é contador na empresa dele, na qual eu também trabalho. Logo, manter qualquer relacionamento com você seria reprovável.
- Não me pareceu reprovável quando você me ligou hoje dizendo que estava com saudades - Davi olhou-o de esguelha, capcioso.
- Você não está satisfeito? - Yury perguntou ríspido. - Não podemos arriscar o que a gente tem. Você não pode arriscar o seu emprego, um ótimo emprego, diga-se de passagem. E eu não posso arriscar o meu namoro com o Gustavo.
- Mas eu gosto de você - Davi aproximou-se de Yury, deixando seus rostos a poucos milímetros de distância. - Gosto muito...
- Eu também gosto de você, - respondeu Yury - mas eu não posso - logo depois, afastou-se, para colocar a gravata. - Vou descer para fechar a conta do hotel e depois vou almoçar.
- Espera...vou com você. Já que me trouxe até aqui, que me leve até a porta também.

***
Gustavo e Lira chegaram ao hotel em poucos minutos e, logo na entrada, foram recebidos pela recepcionista que avisou que o restaurante estava com lotação máxima, porém que uma mesa não demoraria a vagar. Os dois resolveram, por fim, esperar na recepção, enquanto conversavam. Entretanto, quando Gustavo virou-se em direção ao balcão da recepção, deparou-se com Yury conversando com outro rapaz, o qual não reconheceu. Do outro lado do saguão, Yury parecia tê-lo visto também e, rapidamente, veio em sua direção, trazendo o outro rapaz ao seu lado.
- Amor, que coincidência você aqui - disse Yury, sorridente e entusiasmado. - Esse é o Davi, contador lá na empresa do meu pai. Estávamos justamente esperando uma mesa para almoçar e conversar sobre o bar - Gustavo ouvia tudo atentamente e Davi reservava-se a esboçar um sorriso forçado nos lábios. - Fiz o convite ao Davi de ajudar você a contabilizar os valores dos vinhos - Yury prosseguiu. - Podemos almoçar todos juntos. Olha que maravilha!



Continua...



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sexta-feira, 13 de junho de 2014

DARK PARADISE - Capítulo 02


O automóvel cantou pneus na ponte e, descontrolado,atravessou as duas pistas antes de arrebentar violentamente a balaústre de proteção e cair em direção ao mar bravio abaixo. Dentro do carro, Gustavo não reagia. De mãos presas no volante, encarava assustado a imensidão azul que se aproximava do para-brisa. No momento em que tocou a água, seu corpo foi lançado para frente e a cabeça atingiu a porta lateral, abrindo um rasgo no alto da testa de onde o sangue vazava profusamente e sem reservas, misturando-se à água salgada que começava a invadir o carro. Abriu a boca para gritar, mas um jato salgado sufucou-o, afogando-o. Só então, percebeu que morreria se não tentasse salvar a própria vida.
O carro era engolido rapidamente pelas ondas vorazes do mar, e a bolha de ar que ainda permitia a Gustavo respirar extinguia-se com uma velocidade tamanha. A dor latejante na testa impedia que ele raciocinasse direito, e isso dificultava as suas ações para a fulga. O despero começou a dominá-lo e, mais uma vez, tentou gritar. Desta vez, o grito não saía, agrilhoado na garganta, rasgando a suas entranhas como o sal do mar. Debatendo-se dentro do automóvel, comaçava a perder forças e já se esforçava para conseguir respirar o pouco de ar que ainda sobrara no bolsão. O sinto de segurança parecia também querer levá-lo para o fundo do mar, pois não abria, por mais que Gustavo tentasse. Agora, já apavorado, Gustavo esmurrava o vidro lateral e implorava por socorro, os litros de água salgada sofocando cada grito dele, a visão tornando-se turva e embaçada, os pulmões queimando cada vez que aspirava uma nova porção da água do mar.
O bolsão de ar que ainda restara, foi-se, e o carro afundava numa velocidade que não permitia a Gustavo pensar. Então, tudo tornou-se negro quando o rapaz perdeu a consciência.

Em sobressalto, Gustavo acordou com a respiração ofegante, o corpo suado e as pernas dormentes. Olhou ao redor do quarto, desesperado, os olhos estavam em alerta e ele conseguia ouvir qualquer mínimo barulho. Depois de constar que estava seguro em seu quarto, relaxou os músculos e soltou um suspiro de alívio. Desviou o olhar para a janela por onde podia ver o mar, o dia já clareara e sol ia alto no céu. Constatou ser tarde, provavelmente, tinha perdido o horário para se encontrar com o corretor de imóveis que avaliaria a situação do legado que o tio Elísio tinha lhe deixado.
No entanto, antes que pudesse levantar da cama e organizar os pensamentos, a campainha tocou, assustando-o. A portaria não havia interfonado para avisar que tinha visita à sua espera. Rapidamente, vestiu uma camiseta e saiu do quarto, sentindo a cerâmica frio sob o seus pés quentes. Chegando à porta, esfregou os olhos ainda embaçados e tentou parecer apresentável, mesmo tendo acabado de acordar. Abriu-a e viu Yury parado do lado de fora, encarando-o com doçura, visivelmente abalado e segurando uma caneca vermelha. Um sorriso de alegria tentou romper os lábios de Gustavo, mas ele mante-se firme, esperando.


- Você não atendeu as minhas ligações ontem… - disse Yury, pigarreando, a voz saindo baixa, porém audível.
- Estava na casa da minha mãe, fiquei dando apoio a ela - Gustavo respondeu monocórdio. - Acho que não ouvi o celular tocar.
Mentira. Gustavo tinha visto todas as dezessete ligações que Yury tinha feito para ele desde o momento em que deixara o restaurante até o minuto em que fora dormir. Porém, orgulhoso, não atendeu nenhuma delas.
- Fiquei preocupado com você - Yury deu um passo para frente, em direção a Gustavo, e ele sentiu seu corpo estremesser diante da aproximação do namorado. - Não sabia se você tinha se alimentado direito, se tinha tomado o seu café...por isso, eu trouxe isso. Esqueceu na sua casa de Petrópolis ontem - o rapaz estendeu a caneca vermelha e Gustavo, não podendo disfaçar o encantamento, tomou a caneca em suas mãos.
- Obrigado - respondeu, não dando espaço para que o diálogo continuasse
.
É aconselhável que ouça a canção
para melhor visualizar a cena.

- Sei que você ficou chateado por ontem, Gu - Yury aproximou-se um pouco mais. - E você não imagina como eu estive depois do que aconteceu no Fasano. Procurei você em todos os lugares: na sua livraria favorita, na sorveteria em Copa, no nosso café no Leblon. Não encontrei você em nenhum deles. Procurei você desesperadamente para te pedir desculpas...dizer que sinto tanto...sinto tanto a sua falta, e que eu quero estar com você no momento pelo qual está passando agora. Me deixa ficar perto de você…?
- Eu sempre soube, mas não esperava que você agiria daquela forma comigo caso nos encontrássemos na presença do seu pai - Gustavo vacilou quando Yury tocou a sua mão.
- Eu sei, eu agi de uma maneira imbecil fingindo que não te conhecia - Yury apertava carinhosamente a mão de Gustavo. - Podia ter dito que você era um conhecido, um amigo...o meu melhor amigo - uma pausa prolongada abateu-se sobre ele enquanto os profundos olhos verdes de Yury mergulhavam nos olhos de Gustavo. - Não foge de mim assim…
- Até quando nós vamos ficar nessa situação…? Você fingindo que eu sou nada sempre que a gente se encontra em público? - a voz de Gustavo era uma súplica por resposta que tocou como gelo o peito de Yury.
- Eu prometo a você que não por muito tempo - Yury puxou Gustavo para os seus braços, pressionando a cabeça dele contra o seu peito, afagando-o. - Não por muito tempo, meu amo, eu prometo.
Terno, Yury ergueu o queixo de Gustavo e selou seus lábios no dele, sorvendo-lhe em um beijo quente e demorado, ali mesmo, à porta o apartamento, no corredor, enquanto o vizinho do apartamento ao lado se preparava para sair e levar o cachorro para o passeio matinal. Olhou-os de relance e logo desviou o olhar, sentindo-se invasivo no beijo alheio.
As mãos de Gustavo percorreram a extensão das costas retesadas de Yury, enquanto Yury, por sua vez, emaranhava as suas nos cabelos escuros de Gustavo, puxando-os vagarosamente para trás para poder beijá-lo no pescoço. Em passos sincronizados, os dois entraram no apartamento e fecharam a porta. Gustavo guiou Yury para o sofá da sala, tirado a camisa dele e, sorrindo, sentando-se em seu colo para beijá-lo novamente, agora com mais fervor.
- Eu amo você - sussurrou Yury, entre suspiros prazerosos.


- Eu também amo você - Gustavo respondeu, e aquela era a única certeza da vida que ele tinha naquele momento.

***

- É, realmente, o local não é dos melhores - ponderou o corretor, analisando com cautela o teto em ruínas do bar abandonado.
Havia vigas soltas por todos os lados e outras prestes a cair. O assoalho de madeira configurava-se uma paneira esburacada e instável, com tábuas soltas e puídas, onde ratos faziam ninhos. As paredes, com infiltrações assustadoras, descascavam o que um dia havia sido pintura. O velho e amplo balcão de madeira agora era um amontoado de cupins, espalhando pelo chão uma poeira amarelada e constante.  As luminárias com cúpulas de vidro penduradas nas paredes peiam quebradas e sem lâmpadas. Parte da fiação estava exposta e, vez ou outra, balançava ao sabor dos ventos que entravam no local pelas crateras no teto. Ao lado de Yury, Gustavo observava impressionado a decadência do lugar, estava pior do que se lembrava.

- O senhor pretende vender o lugar? - indagou o corretor, fazendo algumas anotações na prancheta que trazia. - Querendo ou não, imóvel é imóvel, e essa é uma região que promete ser valorizada aqui no Rio.
- Mas até lá eu faço o quê? Não posso esperar a valorização chegar com o lugar nesse estado. Se eu permitir, isso vai cair e virar um monte de entulho.
- Uma reforma é uma boa solução - sugeriu o corretor. - Deixá-lo em melhores condições, valorizá-lo.
- Reformar isso aqui acabaria com todas as minhas economias. Olha como está. Não tem nada de pé, só as quatro paredes. Os banheiros estão em petição de miséria - Gustavo trejeitou a boca, contrário à idéia da reforma. - E é provável que eu nunca tenha retorno, assim como o meu tio, e tudo volte a ruir outra vez. É muito arriscado.
- Todo negócio é arriscado - Yury pronunciou-se, afastando com o pé uma cadeira quebrada. - Acredito que valha a pena, sim, reformar isso aqui. Há grandes possibilidades de reformar, tornar o lugar mais moderno e chamativo, com uma iluminação planejada.
- Estou vendo que você já tem idéias para isso aqui - sorriu Gustavo, vendo o olhar interessado de Yury pelo bar.
- Muitas - respondeu Yury, fascinado.
- De qualquer forma, não tenho como bancar essa reforma.
- Como não? Sua família tem dinheiro suficiente para realizar essa reforma e mais trezentas - Yury exclamou.
- Não quero pedir dinheiro ao meu pai. Ontem tivemos uma discussão pelo mesmo motivo de sempre e não que ele volte a jogar na minha cara que ainda sou sustentado por ele.
- Entendo...uma pena, porque o lugar é extraordinário - disse Yury.
- Você é a única pessoa que enxerga alguma perspectiva nesse bar, Yury - Gustavo voltou-se para o corretor. - O que me diz? Quanto valeria isso se eu quisesse vender hoje.
- Quase nada - o corretor foi direto. - Nas condições em que o imóvel se encontra, ele vale pouquíssima coisa. Aconselho, de verdade, que o senhor planeje uma reforma e, só então, cogite vendê-lo.
- Que belo presente de grego tio Elísio deixou para mim - bufou Gustavo, insatisfeito.
- E, não sei se o senhor sabe, mas a adega no subsolo está completa - o corretor acrescentou, para surpresa de Yury.
- Como é que é?
- Sim, senhor. A adega estava lacrada, não sofreu a ação dos vândalos que invadiram o local durante todo esse tempo abandonado. E devo dizer que o senhor tem vinhos raros lá dentro.

- Por essa, você não esperava - disse Yury, erguendo a taça para realizar o brinde.
Depois que o corretor fora embora, tinham descido até o porão e aberto a adega, a chave fora deixada junto com as outras do imóvel entregues pelo advogado. A quantidade de garrafas raras, com safras de qualidade, armazenadas ali era assombrosa. Embora todas estivesse cobertas por uma espessa camada de poeira, permaneciam intocadas e corretamente guardadas, com os vinhos respirando. As paredes da adega encontravam-se cobertas de garrafas, assim como as dezenas de prateleiras e gavetas.
- Senhor, que não tenha avinagrado - rezou Gustavo, brincalhão, antes de tomar um gole do vinho aberto por Yury. Quando provaram o sabor doce da bebida, explodiram em gritos de satisfação e uma alegria incontida. Gustavo pulou nos braços de Yury, gargalhando e derramando um pouco de vinho nos lábios do namorado para depois beijá-lo.
- Talvez meu tio não tenha sido tão ruim assim como eu pensei - exclamou Gustavo, comemorando. - Esse acervo de vinhos é maravilhoso. Precisamos avaliar quanto ele vale o mais rápido possível.
- Espera, - Yury ponderou - você está pensando em vender as garrafas?
- Claro! Ou você achou que eu fosse beber tudo isso?
- Não, mas isso pode ser o chamariz do bar, quando você reabri-lo, Gu.
- Você está parado nessa idéia de reabrir esse bar, não é? Já pensou o montante de dinheiro que eu posso ganhar organizando leilões dessas garrafas de vinho? São raras, das melhores safras, amor. Nunca mais vou precisar do dinheiro dos meus pais para nada.
- Acredito que você deve pensar melhor antes de fazer qualquer coisa, você tem ouro nas mãos.
- Não. Eu tenho vinhos, que são muito mais valiosos que ouro - Gustavo passou a mão no celular e discou um número rapidamente.
- O que está fazendo? - quis saber Yury.
- Providenciando uma segurança particular para esse lugar e alguém que catalogue todos esses vinhos ainda hoje. Isso não é uma coisa que possa deixar para amanhã - respondeu, visivelmente excitado. - Droga, não tem sinal aqui embaixo - Gustavo queixou-se, olhando o visor do celular. - Espera um minuto, já volto. Vou tentar subir um pouco e ligar do salão principal.

Rapidamente, Gustavo saiu a adega suja e mal iluminada, galgando os degraus de pedra que levavam para o andar de cima. Alcançando a luz do dia que penetrava no salão principal pelos vitrais quebrados da janela, Gustavo discou novamente os números e aguardou. Entretanto, antes que a ligação completasse, sentiu uma forte pancada na sua nuca que o lançou violentamente de encontro ao chão. O seu mundo apagou-se no mesmo instante.



Continua...

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quinta-feira, 12 de junho de 2014

DARK PARADISE - Capítulo 01


 Para melhor visualização da cena,
é sugerido que ouça a canção abaixo.
 



Gustavo sentiu os braços dele envolverem-lhe a cintura com candura, ao tempo em que seus lábios eram cobertos pelo doce e morno beijo dele. Um suspiro entrecortado irrompeu a sua boca quando as mãos de Yury invadiram a sua calça, apalpado com carinho todo o conteúdo.
Os beijos tornaram-se mais sôfregos no momento em que, rapidamente, Gustavo lançou Yury contra o carpete da sala e saltou sobre ele, retirando-lhe a calça jeans com a boca, abrindo o zíper e  os botões habilmente. Yury deixou-se conduzir pelo toque suave de Gustavo, sentindo-o passar os lábios quentes pelo seu abdômen trabalhado, sua virilha, sua coxas. A boca do jovem  Yury era uma linha comprimida, sufocando um grito de prazer que insistia em tentar sair sempre que Gustavo escorregava a sua boca molhada e quente. Espasmos repentinos estremeciam o corpo de Yury por inteiro, e seus pelos loiros eriçavam sob o calor do corpo de Gustavo, suando sobre o seu.
Money Power Glory, da Lana del Rey, vinda do som ligado, inundava a sala aquecida pelas chamas alaranjadas da lareira e que mantinham o frio característico de Petrópolis do lado de fora das paredes de madeira do charmoso chalé. Ao lado do carpete onde os corpos de Gustavo e Yury agora se tornavam um só havia uma garrafa de vinho tinto esvaziada e duas taças tombadas, assistido à movimentação faceira dos dois rapazes. Para lá das amplas janelas corrediças de vidro que davam para o exterior do chalé, a luminescência prateada do lua derramava-se sobre as copas da árvores grande que cercavam a casa distante da cidade.
Gustavo, entorpecido pelo momento, sentou-se sobre Yury que, dessa vez, não pôde conter o gemido abafado, enquanto o parceiro movia-se vagarosamente sobre ele de uma maneira enlouquecedora. Carinhoso, Gustavo silenciou os gemidos contidos de Yury com um beijo que lhe roubou o ar.

- Como foi a reunião com os empreiteiros? - perguntava Gustavo, enquanto vestia a cueca, ainda deitado no carpete da sala de estar.
- Incerta - respondeu Yury soltando a fumaça do cigarro e servindo-se de mais vinho de uma garrafa recém aberta. - Não se pode confiar nesses coreanos. Eles são quietos e observadores, nunca sei o que estão pensando.
- Seu projeto é muito bom. Você é o melhor arquiteto que eu conheço, na flor da idade, cheio de idéias novas e revolucionárias. É claro que eles vão aprovar o seu projeto.
- Fala isso para o meu pai - resmungou Yury. - Duvido que ele esteja acreditando que vamos conseguir fechar esse contrato. Não, por termos uma equipe sem competência. Muito pelo contrário. A nossa equipe é a melhor que poderia ser. Mas por termos um projeto que foi desenvolvido por mim.
- Seu pai não é tão ruim assim quanto você diz - Gustavo bebeu um gole do copo de Yury e passou as mãos cabelos loiros quase em tom de areia do namorado. Yury era um jovem arquiteto de vinte e cinco anos e muito talento, recém formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Os cabelos alourados caiam-lhe sobre os olhos de um profundo verde-esmeralda e emolduravam seu rosto de traços firmes e alongados, de queixo proeminente. A pele marmoreada, extremamentente alva, refletia a luz alaranjada das labaredas vindas da lareira. O rosto de feições suaves completava-se com um sorriso esboçado no canto dos lábios quase permannente.
- Você fala isso porque não vive com ele - treplicou Yury, afastando as mechas escuras do rosto de Gustavo.
- E nem poderia. Ele nem cogita a possibilidade da minha existência - sorriu desconcertado sob o toque cálido de Yury.
Com vinte e cinco anos, Gustavo possuía um olhar castanho profundo e intimidador, que, por vezes, era capaz de atravessar a alma de Gustavo e enxergar o que ele não podia dizer ou explicar. O rosto brando e sereno, salpicado por uma barba cerrada e bem feita, iluminava-se sempre que sorria. Ao contrário dos outros sorrisos por aí, Gustavo sorria por completo, não só com os lábios, mas também com os olhos, as maçãs rosadas do rosto e até mesmo com a testa. Sempre que sorria, duas linhas verticais enrugavam-se de maneira charmosa entre os seus olhos, na base da testa. Os cabelos de um negro veludíneo, cortado em desalinho repicado, insistiam em cair no seu rosto sempre que ele se movia mais bruscamente. Sua beleza era simples e angelical. Não havia quem pousasse os olhos sobre ele não se demorasse a encará-lo. Ele, getil, retribuía o olhar.
- Ele logo saberá sobre você - disse Yury, afastando-se para atiçar as brasas na lareira, deixando o pensamento perder-se, visivelmente encabulado.
- Desculpa, não me entenda mal - Gustavo apressou-se para segui-lo, abraçando-o por trás, o rosto colado nas suas costas nuas e mornas. - Não estou pressionando para que conte a eles. De verdade. Para mim, está bom do jeito que está. Não podia ficar melhor. Posso te ver sempre que eu quero, te abraçar, sentir teu cheiro. è a minha maior felicidade.
Vagarosamente, Yury girou sobre os calcanhares e beijou de maneira doce Gustavo, que se entregou sem reservas. Contudo, o toque neurótico do telefone residencial tragou-os de volta. Lesto, Gustavo saltou por sobre as almofadas do carpete e atendeu a ligação.
- Gu? - soou a voz família do outro lado da linha. Melissa parecia aflita e agitada.
- Oi. Que aconteceu? - a expressão de Gustavo tornou-se séria quando a irmã começou a falar o que tinha ocorrido. Pensativo, ele ouvia tudo sem tecer qualquer comentário. - Tudo bem, já estou indo. Encontro vocês o mais rápido possível.
- O que houve? - indagou Yury, percebendo o rosto sério de Gustavo.
- Tio Elísio acabou de falecer - por alguns segundos, os únicos sons que se fizeram audíveis na sala foram o crepitar das chamas e o vento gélido uivando do lado de fora.
- Sinto muito…
- A gente já sabia que isso estava prestes a acontecer, a doença dele não retrocedeu. Estou sentido pela minha mãe, deve estar arrasada.
- Vou com você ao velório, se você quiser…
- Obrigado, amor...mas não precisa - Gustavo respondia em estado de transe, o olhar perdido nas lembranças que rememorava naquele momento. - Você tem de terminar o seu projeto e também você sabe que não gosto de velórios.
- Então, você não vai?
- Vou. Preciso dar um abraço na minha mãe e resolver algumas coisas.
- Que coisas?
- Melissa disse que tio Elísio me deixou algo - as palavras saiam pausadamente, enquanto em processava as recentes informações.
- Ela não sabe o que é…?
- Não. Disse que preciso ir para que o advogado converse comigo e explique os pormenores. Você se importa se eu tomar um banho rápido e voltar para o Rio?
- Claro que não, meu amor - Yury envolveu Gustavo em um abraço apertado. - Se você precisar de mim, estarei com o celular ligado.
Gustavo permaneceu preso no abraço de Yury por incontáveis segundos, pensando no que faria dali para frente. Estar junto ao corpo dele era melhor do que qualquer outra coisa que já tinha provado na vida e, silenciosamente, jurou poder ficar assim pelo o resto da sua vida.
***

A viagem de Petrópolis ao Rio durou pouco mais de quarenta minutos e Gustavo seguiu direto para o local onde Melissa informara que o corpo estaria sendo velado. Não tivera muito contato com o tio, apenas as formalidades familiares nos encontros das datas comemorativas. Ortodoxo, Elísio tinha sido um produtor de cachaça de grande expressão nacional. A sua indústria importava toda a sua produção para a Europa e Estados Unidos, levando o nome do Brasil para além de suas fronteiras. Pelo que sabia, Elísio não tinha deixado filhos, apenas uma jovem esposa que mais se preocupava em gastar em Paris todos os lucros possíveis do marido. Talvez por esse motivo tivesse legado a Gustavo algo em seu testamento. Gustavo só não conseguia ter a resposta do quê. Dono de uma empresa próspera e latifúndios férteis onde cultivava a cana, matéria-prima para produzir a cachaça de qualidade, Gustavo julgava impossível que o tio lhe tivesse deixado alguma dessas coisas. Deve ser algo pequeno, uma lembrança, concluiu o rapaz, concentrando-se na avenida à sua frente.
Em poucos minutos chegou à capela onde estava acontecendo e velório e estacionou o automóvel negro em um local próximo, tendo de caminhar um pouco até a entrada principal. Apesar do adiantado da hora, varando a madrugada, não era de se admirar que houvesse tantas pessoas dentro e fora da capela, conversando aos sussurros e aceitando chá quente de abacaxi que era servido por garçons uniformizados. À medida que avançava para dentro da capela, Gustavo era parado por presentes para receber os cumprimentos e pêsames. Diplomaticamente, agradecia, mas desejava mesmo estar longe daquele lugar com cheiro de morte.
Ao adentrar a capela, avistou sua mãe parada ao lado do caixão, chorando no ombro de Melissa, e encaminhou-se em direção a ela rapidamente, indiferente às mãos que se estenderam à frente do seu caminho. Queria apenas abraçá-la. E foi o que fez.
- Mãe… - sussurrou quando envolveu-a em um abraço forte e quente, deixando que ela chorasse profusamente sobre o seu terno. - Eu sinto tanto…
- Que bom que você veio - ela respondeu, balançada por um poderosos soluço.
- Estou aqui, mãe. Vai ficar tudo bem.
- Gu… - Melissa interrompeu meio sem jeito. - O advogado do tio Elísio pediu que fosse falar com ele assim que você chegasse. É importante.
- Que droga de herança é essa que não pode esperar nem o enterro?! Tio Elísio ainda está quente - Gustavo retrucou em tom baixo para que apenas a irmã conseguisse ouvi-lo.
- Ele informou que precisa viajar pela manhã e, por isso, vocês têm de se encontrar ainda hoje.
- Fica com a mãe, então, que eu vou conversar com ele - Gustavo beijou o rosto da mãe e saiu a passos largos da capela.


- Como é que é?! Você só pode estar brincando comigo - esbravejou Gustavo entre um risinho desacreditado. - É sério isso?
- Seríssimo -  o advogado respondeu, soltando uma cortina de fumaça tragada do cigarro. Os dois conversavam do lado de fora da capela, um tanto distante dos presentes, sob a luminosidade da lua. A rua vazia fazia com que suas vozes se amplificassem. - Foi a última coisa que ele pediu que eu incluísse no testamento antes de morrer e que fosse feita de imediato. Você conhece a propriedade?
- Claro que conheço! - Gustavo bufou irritado. - É o maior fracasso da família, motivo de piada nos nossos almoços de domingo. O que que eu vou fazer com aquilo? Está caindo aos pedaços, não vai me servir para nada!
- Você pode recusar, se quiser - esclareceu o advogado.
- Então, eu quero recusar.
- Mas acredito que seja mais prudente que você converse com o restante da família antes de fazê-lo.
- Não é necessário. Todos vão concordar comigo. Aquele bar foi o maior erro da vida do tio Elísio, ele mesmo renegou aquilo, deixou jogado às traças. Por que diabos eu iria aceitar?
- Para deixar de viver às minhas costas - uma voz sonora e grave trovejou às suas costas, surgindo de detrás dos carros estacionados. Gustavo virou-se para encarar o pai que se aproximava. - Ou você pensa que vou bancar a sua vida boa para sempre?
- Nunca pedi um centavo do senhor - retorquiu Gustavo, impondo-se em frente ao pai, um senhor alto, corpulento e grisalho, que tinha nos cantos da boca uma expressão amarga e característica.
- Maldita hora que eu não deixei você afundar dentro daquele carro - o velho Bismark cuspiu as palavras do alto do seu desprezo por Gustavo.
- Pois devia! - o grito do rapaz propagou-se pela rua e chamou a atenção das pessoas que estavam paradas fora da capela. - Pelo menos hoje eu não seria obrigado a ver essa sua cara de monstro o tempo inteiro!
- Por favor, senhores, vamos manter a calma - o advogado tentou em vão apaziguar a situação.
- Você só tem me dados desgosto, Gustavo! Como eu me arrependo de ter cedido aos seus caprichos sempre que você pedia!
- O problema nunca fui eu, pai! O problema é o senhor! A sua amargura, o seu ódio pelo mundo, a sua habilidade de menosprezar e humilhar as pessoas...de humilhar o próprio filho! É por isso que está sozinho! - dito isso, Gustavo virou-se para o advogado. - Passo no escritório do senhor para assinar todos os documentos pendentes.
- Então, o senhor vai aceitar a herança? - assustou-se o advogado diante de uma cena tão embaraçosa.
- Vou. - Sem mais conversa, Gustavo rumou de volta para a capela, visivelmente irritado.
***
- O que você vai fazer com aquilo? - Melissa perguntou, enquanto dirigiam-se em direção a uma mesa no centro do restaurante, acompanhada por Gustavo.
- Ainda não sei. Implodir, atear fogo, doar como abrigo para mendigos. Ainda não tive tempo de pensar na solução mais criativa.
Gustavo e Melissa tinham saído do enterro e resolvido almoçar juntos, depois de passar em casa e deixar sua mãe sob os cuidados dos outros familiares. Dopada, ela não sentiria a falta deles, e a presença de Bismark na casa enojava Gustavo. Por tal razão, preferiam se afastar a almoçar sozinhos no restaurante do Hotel Fasano, em Ipanema.
- Você ganhou e presente um belo elefante branco - Melissa sorriu, deixando-se conduzir pelo maître até a mesa que tinham reservado.
- Eu sempre soube que tio Elísio nunca gostou de mim, mas não sabia que ele me odiava. Não tenho como manter aquele lugar. Talvez, a melhor solução mesmo seja atear fogo - Gustavo sorriu, sentando-se e recebendo o menu.
- Vocês vão beber alguma coisa? - indagou o maître.
- Um suco de limão, por favor - pediu Gustavo.
- O mesmo para mim - Melissa era uma bela mulher no auge dos seus vinte e sete anos, cabelos acastanhados e longos, com cachos volumosos. O rosto levemente rosado, encantador, capaz de entorpecer qualquer homem. - Não vamos ser pessimistas. Quem sabe você não consegue tirar aquele lugar do limbo e trazer ele das cinzas.
- Também não vamos ser irreais demais, Melissa. Aquilo nunca vingou. É mal localizado, ninguém sabe que existe, e está em ruínas.
- Você pode reformar…
- Não acredito que o investimento valha a pena. É possível que o retorno nunca venha, assim como aconteceu com tio Elísio. Por isso ele abandonou o negócio.
- É um imóvel, Gustavo. Não acredito que você deva se desfazer dele assim tão rapidamente, sem nem pedir para que um corretor avalie.
- Não precisa. Eu mesmo avalio. Não vale nada. Nunca valeu. A maior loucura que tio Elísio fez na vida dele. Mas, como ele tinha muito dinheiro, não fez nem cócegas nos bolsos dele. De qualquer forma, vou esperar a mãe melhorar e conversar com ela para saber o que ela acha sobre isso.
- Você recebeu a herança com resistência, por isso não quer ver o que pode haver de bom nela.
- Não sei. Melissa. Mas, com certeza, o que há nela é muita dor de cabeça.
- Olha quem está entrando no restaurante… - Melissa sussurrou, lançando um olhar de esguelha para a entrada.
Por cima dos ombros, Gustavo avistou Yury entrando no Fasano na companhia do pai. Os dois conversavam calorosamente sobre alguma coisa que ele presumiu ser o novo projeto para os coreanos. Nas mãos, Yury trazia alguns tubos brancos onde, provavelmente, estavam as plantas do projeto. Ver Yury ali roubou-lhe a sanidade por um momento e, de ímpeto, Gustavo levantou-se da mesa e foi ao encontro dele, sorrido e abrindo os braços para recebê-lo.
- Ainda bem que está aqui, tenho coisas para te contar - Gustavo abraçou-o.
Contudo, no mesmo instante, Yury retraiu-se e, com uma polidez exacerbada, repeliu o abraço de Gustavo, mostrando-se encabulado. Ao lado, o pai de Yury assistia à cena.
- Desculpa, - disse Yury, afastando-se - acredito que você esteja me confundido com alguém.
- Tudo bem com você, rapaz? - perguntou o pai de Yury, sem entender o que estava acontecendo.
- Sim… - desconcertado, Gustavo respondeu. O rosto ruborizado de vergonha queimava e ardia. - Foi só uma distração...um engano…
Gustavo olhou uma vez mais para Yury, que desviou o olhar e sentou-se a uma mesa próxima. De pé, no meio do restaurante, permaneceu assim, sabendo que todos os olhares do lugar estavam sobre ele naquele momento. Envergonhado, sorriu formalmente para o pai de Yury e começou a seguir em direção à saída. Rapidamente, Melissa conseguiu alcançá-lo, sem compreender o que tinha acabado de acontecer.
- Gustavo, espera! O que houve - ela corria para acompanhar o passo do irmão.
- Vamos embora, Mel. A gente almoça em outro lugar - o rancor em suas voz era evidente.



Continua...

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